domingo, 31 de maio de 2015

Livro Recomendado da Semana - 31/05 a 06/06/2015

HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA - José Saramago

O LIVRO

Não é Lisboa que está cercada - mas sim a própria história.
Raimundo Silva, revisor de livros, introduz num tratado de história (intitulado História do Cerco de Lisboa) um erro voluntário: "os cruzados não ajudaram os portugueses a conquistar Lisboa.
É um "não" que desvirtua o acontecido, ao mesmo tempo em que exalta o papel do escritor, capaz de modificar tão facilmente o que estava consagrado.
Para além das decorrências dessa história, Raimundo Silva vai viver outra, com sua editora Maria Sara. Juntos, espelham uma história vivida por outro casal, há séculos, durante o cerco de Lisboa.
Neste romance, publicado pela primeira vez em 1987, José Saramago explora com engenho e paixão os espaços da literatura e da história, como já fizera em Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis e Jangada de Pedra, e como viria a fazer depois em outras obras igualmente notáveis, como O Evangelho Segundo Jesus Cristo e In Nomine Dei.
Raimundo Silva não voltará a ser o sujeito paciente que era, porque seu ato de rebeldia o faz assumir outro posto na vida.
Ao longo da prosa inimitável de um dos maiores escritores da Língua Portuguesa, são vários cervos, então, que vão caindo: tanto o cerco histórico da cidade de Lisboa como o imaginário, recontado por Raimundo, e, finalmente, o compreensível, mas aceitável cerco que o impede de comunicar-se com a mulher do seu afeto.

O AUTOR

José de Sousa Saramago nasceu em 1922, em Azinhaga, aldeia ao sul de Portugal, numa família de camponeses.
Autodidata, antes de se dedicar exclusivamente à literatura trabalhou como serralheiro, mecânico, desenhista industrial e gerente de produção numa editora.
Iniciou sua atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado, só voltando a publicar (um livro de poemas chamado Os Poemas Possíveis), em 1966. Em 1970, publica outro livro de poemas, Provavelmente Alegria.
Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Acuado pela ditadura de Salazar, a partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor.
Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, visto hoje como seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois anos depois.
Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português - o que leva Saramago a autoexilar-se em Lanzarote, nas Ilhas Canárias (Espanha), onde viveu até sua morte em 2010. Foi ele o primeiro autor de Língua Portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.
Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Ensaio sobre a Cegueira (1995), O Homem Duplicado (2002), a peça teatral In Nomine Dei (1993), os volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (a partir de 1994), A Viagem do Elefante (2008), Caim (2009); Obras póstumas: Claraboia (2011), Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas (2014).

COMENTÁRIO SOBRE A OBRA

Por Arthur Nestrovski, arcitulista da Folha de São Paulo

"As ficções que contam, fazem-se... com uma continuada dúvida... a inquietação de saber que nada é verdade e ser preciso fingir que o é". Entre as ficções que mais contam, nos dias de hoje, estão as do autor desta frase; e entre os livros dele, nenhum se firma tanto nisso para fingir suas verdades do que A História do Cerco de Lisboa.
São duas histórias: a história real do cerco a Lisboa no ano de 1147 (quando os portugueses, com ajuda dos cruzados, tomaram a cidade aos mouros) e outra história, fictícia, que surge aos poucos na cabeça do revisor Raimundo Silva, depois de alterara injustificadamente certa frase nas provas de um livro, mudando a história com a simples força de um "não".
É um tema mais que caro a José Saramago: o bom uso das palavras, que fazem luz "sobre o entendimento das coisas, até onde se pode, e aonde, a não ser por elas, não se chega".
Bom uso: poder dizer o que se quer, e querer dizer o que se pode, quando o que está em jogo é o entendimento humano das coisas. Não por acaso, os dois cercos, o real e o fictício, se confundem aqui com um cerco amoroso, que se vai fechando sobre o velho revisor e sua jovem editora, como se fecha, oitocentos imaginados anos antes, sobre um soldado português e a viúva de um cruzado.
Este título, então, A História do Cerco de Lisboa, ganha um duplo sentido inesquecível daqui para a frente.
Não diz respeito só ao que se passou numa hedionda guerra religiosa medieval. Para nós, agora, é também a cifra de uma longamente adiada, longamente sofrida, demoradamente saboreada, maravilhosa e comum história de amor.

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