sábado, 25 de julho de 2015

Livro Recomendado da Semana - 02 a 08/08/2015

O MESTRE E MARGARIDA - MIKHAIL BULGÁKOV

O LIVRO


O Mestre e Margarida tem muitas tramas. Na trama central a Moscou de 1929 é visitada pelo diabo, com o nome de Woland. Em seu séquito estão Koroviev ou Fagote (como o instrumento musical), o enorme gato Birguemot ou Behemot, que em russo significa tanto a criatura bíblica (Jó 40: 15-24) quanto hipopótamo, Azazello, Abadon e a bruxa Hella.
Bulgákov começou a escrever o romance em 1928. O primeiro manuscrito foi destruído em março de 1930 pelo autor, que o queimou em um forno, quando soube que outro livro seu, de conteúdo cabalístico havia sido banido. O trabalho foi recomeçado em 1931 e em 1935 Bulgákov foi a um Festival de Primavera que teria inspirado o baile do livro. A segunda versão foi terminada em 1936 e nesse ponto todas as tramas do romance já existiam. O terceiro rascunho foi terminado em 1937. O escritor parou de trabalhar na quarta versão em 1940, quatro semanas antes de sua morte. O trabalho foi completado por sua esposa em 1940-41.
Uma versão censurada (12% do texto fora eliminado e muitas outras partes foram modificadas) foi publicada na revista Moscou (nº 11, 1966 e nº 12, 1967). A versão integral foi distribuída em cópias clandestinas, publicada em Samizdat. A primeira versão integral foi publicada em Frankfurt, em 1973, pela Editora Posev.
A primeira versão integral foi publicada na Rússia pela revista Khudojestvyennaya Lityeratura em 1973. Ela era baseada numa versão de 1940. Em 1989, a especialista Lidiya Yanovskaya compôs uma nova versão oficial, com base em manuscritos do autor.
Algumas das tramas do livro já haviam aparecido em contos de Bulgákov. O Museu Bulgákov, em Moscou foi vandalizado em 22 de dezembro de 2006, por fanáticos religiosos que alegavam ser O Mestre e Margarida um romance satanista.

O AUTOR

Mikhail Bulgákov nasceu em Kiev, no Império Russo. Primogênito de um professor de seminário. Os irmãos Bulgákov alistaram-se no Exército Branco e, ao final da Guerra Civil, acabaram em Paris, à exceção de Mikhail que, tendo se alistado como médico de campanha, serviu durante a Guerra no Cáucaso, onde começou a trabalhar também como jornalista. Apesar de seu status relativamente favorável sob o regime de Stálin, Bulgákov não pôde emigrar ou visitar seus irmãos na Europa. Alguns detalhes de sua biografia não são claros, pois ele sempre foi muito discreto sobre sua vida pessoal.
Em 1913, Bulgákov casa-se com Tatiana Lappa. No início da Primeira Guerra, alista-se como volutário da Cruz Vermelha. Em 1916, forma-se em Medicina pela Universidade de Kiev e serve no Exército Branco. É mobilizado por pouco tempo pelo Exército Nacionalista Ucraniano. Em 1919 decide abandonar a Medicina para tentar carreira na Literatura. Em 1921, muda-se com Tatiana para Moscou onde inicia de fato seu trabalho como escritor. Três anos depois, divorciado de sua primeira mulher, casa-se com Lhubov Beloziorskaia. Publica vários trabalhos durante a década de 1920, mas, por volta de 1927, começa a sofrer acusações de comportamento antissoviético. Em 1929 sua carreira está destruída e seus trabalhos censurados.
Em 1932 casa-se pela terceira vez, com Yelena Chilóvskaia que é a inspiração para opersonagem Margarida em seu romance mais famoso e instala-se com ela perto de Patriárchi Prudy (Lado do Patriarca). Durante a última década de sua vida, Bulgákov continua os trabalho em O Mestre e Margarida, escreve peças, críticas, contos e várias traduções e adaptações para o teatro de romances, sem publicação.
Bulgákov nunca apoiou o regime e o ridicularizou em vários de seus trabalhos. Por essa razão muitos deles ficaram inéditos por décadas. Em 1930 escreve uma carta para Stálin pedindo permissão para emigrar, já que a União Soviética não tem trabalho para ele satirista e recebe uma ligação do próprio Stálin negando seu pedido.
Stálin gostara da peça Os Turbins ("Dni Turbinykh) e empregou-a em um pequeno teatro de Moscou. Mais tarde, a peça foi transferida para o Teatro de Arte de Moscou. Em sua autobiografia e em muitas biografias diz-se que ele escreveu a carta em desespero, sem intenção de enviá-la. A recusa das autoridades de empregá-lo no teatro e permitir sua visita aos familiares vivendo no exterior levaram-no a tomar medidas drásticas. Apesar de seu trabalho, os projetos que realizou para o teatro não alcançaram maior sucesso. Também atuara por algum tempo com o Teatro Bolshoi como roteirista, mas demitiu-se depois de seus roteiros não terem sido produzidos.
Morreu em março de 1940 de uma doença hereditária dos rins e foi enterrado no cemitério Novodevitchi em Moscou.
Sua obra mais famosa, o monumental romance O Mestre e Margarida, levou mais de doze anos, entre 1928 e 1940 para ser concluído. Em 1939, já cego, foi auxiliado na tarefa por sua mulher Yelena, a quem ditava os capítulos finais. O Mestre e Margarida foi publicado pela primeira vez em 1966.
O apartamento do escrito, em Moscou, e no qual se passa parte da trama de O Mestre e Margarida virou local de culto. No final dos anos 2000 foi transformado no Museu Bulgákov.

COMENTÁRIO SOBRE A OBRA

Por Guilherme Freitas - O Globo

No início dos anos 1980, os moradores de um edifício da rua Sadôvaia, em Moscou, começaram a notar estranhas intervenções na decoração. De uma noite para a outra, os corredores ganharam grafites que, pouco a pouco, se espalharam pelas paredes. Entre as inscrições, destacavam-se os muitos desenhos de um enorme gato preto, em poses variadas: bebendo vodca de um tacinha, jogando xadrez, incendiando uma casa. O tal gato é um dos personagens de O Mestre e Margarida, e os grafites são obra de leitores do livro de Mikhail Bulgákov (1891-1940) que faziam peregrinação ao prédio onde o escritor viveu (e também um dos cenários do romance).
As manifestações dos leitores fizeram com que o antigo apartamento de Bulgákov fosse transformado num Museu dedicado ao escritor.

Livro só foi publicado duas décadas após a morte do autor

Dramaturgo de sucesso na Moscou dos anos 1920, Bulgákov começou a trabalhar no romance em 1928, mas, doze anos depois, morreu sem ver a obra publicada. Tanto tempo se deve, por um lado, à complexidade da trama de O Mestre e Margarida, que narra a chegada do diabo e sua comitiva à Moscou stalinista. Lá, os visitantes se envolvem com o mestre, um escritor perseguido pelo governo e pelos intelectuais por ter publicado um romance sobre os últimos dias da vida de Jesus. A caracterização da comitiva satânica e a riqueza das descrições da Jerusalém onde se passa a obra do Mestre indicam a profundidade da pesquisa feita pelo autor.
Mas a demora foi provocada também pelo temor da reação que a obra poderia causar em tempos de repressão. Censurado muitas vezes nos palcos por conta de suas sátiras políticas, o autor sabia do potencial perturbador de um romance sobre figuras religiosas numa sociedade onde o ateísmo era imposto por lei (um impasse satirizado já na primeira cena do livro, na qual o diabo tenta provar a dois literatos ateus que Deus existe). Bulgákov escrevia praticamente em segredo e, ao morrer, apenas sua mulher e um pequeno círculo de amigos sabiam da existência do livro. A obra só foi publicada, enfim, em 1966, encartada em fascículos numa revista literária, e logo encontrou lugar entre os grandes romances do século XX.
Há muitas formas de ler O Mestre e Margarida. Antes de tudo, é uma comédia arrebatadora que condensa todo o talento do Bulgákov dramaturgo: ler o livro é como assistir a uma produção delirante, com cenários detalhistas (o prédio da rua Sadôvaia, a sede as associação de literatos de Moscou, o subsolo onde vive o mestre), música incidental abundante (como os trechos de óperas e as várias versões de "Aleluia" que irrompem nos pontos mais caóticos da trama) e diálogos afiados.
O dramaturgo também se nota na construção cuidadosa dos personagens, muitos dos quais entraram para a galeria da cultura popular russa. O diabo apresenta-se como Woland, historiador e especialista em magia negra, um distinto senhor com um olho verde e outro negro, que jamais levanta a voz mas deixa uma impressão aterrorizante em todos que cruzam com ele ("Numa palavra, estrangeiro"). Woland é escoltado por Behemoth, o gato preto que anda sobre duas patas, adora vodca, e tem inclinações piromaníacas; Kerôviev, o ardiloso negociador do grupo; Azazello, um ruivo atarracado de ombros largos e feiura indescritível; e Hella, "uma jovem totalmente nua, ruiva e com ardentes olhos fosforescentes".
As peripécias do grupo em Moscou são o centro da primeira metade do livro. Em poucas horas, eles presenciam a decapitação de um distinto poeta amigo do regime, ocupam o apartamento dele e e agendam uma série de apresentações no Teatro de Variedades de Moscou (anunciadas como "Sessões de Magia Negra e Sua Revelação Total"). Nessas cenas, brilha a inteligência satírica de Bulgákov: ironicamente, o diabo e sua comitiva surgem como uma forma "moralizadora" em Moscou, expondo as contradições e injustiças do regime stalinista e da sociedade soviética. O ponto alto da primeira parte é a apresentação no Teatro das Variedades, que começa com outra decapitação e termina com uma chuva de dinheiro sobre a plateia e farta distribuição de roupas e joias para as mulheres. Tudo ilusão, como o diabo gosta - a "revelação total" prometida expõe não os segredos da magia negra, mas a hipocrisia e a ganância do público. 
A segunda metade de O Mestre e Margarida se concentra nos personagens-título, mencionados discretamente na primeira parte. O Mestre é um escritor de meia-idade, autor de um romance protagonizado por Pôncio Pilatos, o procurador romano que, nos Evangelhos, nada faz para impedir a crucificação de Jesus. Margarida, sua amante, o encoraja a publicar um trecho da obra, que desperta reações furiosas de intelectuais aliados do regime, por mostrar figuras religiosas como personagens históricos.
Abatido com a perseguição dos críticos, o Mestre queima o manuscrito do romance e acaba num manicômio, desiludido com a Literatura. Enquanto isso, Margarida tenta resgatá-lo, e para isso alia-se a Woland, numa sequencia de cenas que contém algumas das passagens mais memoráveis do livro (como aquele em que Margarida sobrevoa Moscou de vassoura, à noite, completamente nua, e o baile de gala no qual ela serve de acompanhamento para o diabo).

Romance dentro do romance faz reflexão sobre a bondade

O texto do romance do Mestre surge em vários pontos de O Mestre e Margarida, criando um contraponto curioso: enquanto a Moscou do século XX é descrita como um cenário mitológico por onde circulam bruxas e demônios, a Jerusalém dos tempos de Jesus é retratada com extremo rigor histórico (reforçado pela decisão do autor de usar a grafia original dos nomes - Yerushalaim, Yeshua Ha-Notzri). Essa estratégia permite que Bulgákov desloque suas críticas ao regime: além da comparação implícita entre Stálin e César (cujos nomes nunca são mencionados), é em Jerusalém que aparecem as torturas, condenações sumárias e complôs políticos que eram rotina entre os soviéticos. Já na Moscou "mitológica" onde se situa a maior parte da trama, as prisões de inocentes passam por desaparecimentos misteriosos, atos de bruxaria.
É também no romance do Mestre que Bulgákov introduz um dos temas centrais do livro, sugerido nas conversas entre Pilatos e Jesus sobre a natureza da bondade. Essa reflexão é elaborada ao longo de toda a obra, em especial num discurso de Woland no desfecho da trama, quando Bulgákov, num último ato de ironia, faz Jesus e o diabo expressarem, em momentos distintos, uma mesma visão: não há Bem ou Mal absoluto, e a covardia é a pior das fraquezas humanas.

domingo, 19 de julho de 2015

Livro Recomendado da Semana - 19 a 25/07/2015

O VELHO E O MAR - ERNEST HEMINGWAY

O LIVRO


Santiago, um velho pescador cubano que ficara 84 dias sem pescar nada, promete acabar com a sua onda da azar. Sua sorte tem a forma de um marlin gigante, o maior peixe que já pescara. Após três dias de luta com o marlin no Golfo do México, Santiago volta para o porto e a razão de seu combate transformara-se numa carcaça por tubarões. Depois de passar quase três meses sem fisgar um peixe, escarnecido pelos colegas de profissão, o velho Santiago enfrenta o alto-mar, sozinho, em seu pequeno barco. Quer provar aos outros e a si mesmo que ainda é um bom pescador. É em completa solidão que ele travará uma luta de três dias com um peixe imenso, um animal quase mitológico, que lembra um ancestral literário, a baleia Moby Dick.
À medida que o combate se desenvolve, o leitor vai embarcando no monólogo interior de Santiago, em suas dúvidas, sua angústia, sentindo os músculos retesados, a boca salgada e com gosto de carne crua, as mãos úmidas de sangue. Por fim o peixe se dobra à força do pescador. Mas a vitória não será completa - surgem os tubarões...
Novela da maturidade de Ernest Hemingway, que foi correspondente de guerra e amante das touradas. O Velho e o Mar  (1952) é a melhor síntese de sua obra e de sua visão do mundo.
Escrito num estilo ágio e nervoso, máxima depuração da prosa jornalística do autor, o livro explora os limites da capacidade humana diante de uma natureza voraz, onde todos os elementos estão permanentemente em luta, numa autodevoração sem fim.

O AUTOR

Ernest Miller Hemingway nasceu em 1899, em Oak Park, Illinois, Estados Unidos. Filho de um médico da zona rural, cresceu em contato com um ambiente pobre e rude, que conheceu ao acompanhar o trabalho do pai na região. Esse ambiente foi descrito em seu livro de contos In Our Time (1925).
Trabalhando como repórter, Hemingway alista-se no exército italiano em 1916 e é gravemente ferido na frente de batalha. Ao deixar o hospital, passa a trabalhar como correspondente em Paris. Em 1926, publica O Sol Também Se Levanta, livro que obteria um sucesso surpreendente.
Em 1929, publica Adeus às Armas, que descreve a experiência de seu autor na Itália.
Vai para a Espanha, onde produz Morte à Tarde (1932), sobre as touradas; faz caçadas na África Central, que relata em As Verdes Colinas da África (1935); participa da Guerra Civil Espanhola e escreve Por Quem os Sinos Dobram? (1940); de suas experiências como pescador em Cuba, surge O Velho e o Mar (1952), livro que lhe rendeu o Prêmio Pulitzer.
Ganhador do Nobel de Literatura de 1954, Ernest Hemingway suicidou-se em sua casa de Ketchum, em Idaho, Estados Unidos, em 1961.

COMENTÁRIO SOBRE A OBRA

Por Walter Salles, colunista da Folha de São Paulo

Poucos escritores tiveram uma influência tão marcante na literatura em língua inglesa do século 20 quanto Ernest Hemingway. Hemingway detestava tudo aquilo que era ornamentado. Sua narrativa, ao contrário, é direta e muscular. As frases são curtas, os diálogos secos. Como os neorrealistas fizeram no cinema, Hemingway extirpou da prosa literária tudo aquilo que não considerava essencial.
O Velho e o Mar narra a história de Santiago, um pescador cubano que, um pouco como o escritor que lhe deu vida, parece estar em fim de linha. Dia após ida, Santiago sai com seu barco e volta de mãos vazias. Desesperado, decide se aventurar mais longe, nas águas da corrente do Golfo. É quando um enorme marlim morde a sua isca.
Começa então uma extraordinária batalha entre o homem e o animal. Que o melhor e o mais corajoso vença, pensa o velho marinheiro. O animal reboca o barco de Santiago, tamanha sua força. Quando o marlim finalmente cede, surgem tubarões.
Luta pela sobrevivência, confronto com os limites humanos. O Velho e o Mar e, antes de mais nada, um conto moral. Os temas caros a Hemingway, as questões da honra e do embate entre o homem e a natureza, ganham aqui uma outra dimensão, mais fabular. Como em O Tesouro da Sierra Madre de John Huston - o cineasta que lhe foi talvez mais próximo na escolha temática -, os heróis de Hemingway aprenderão que a glória e a fortuna são passageiras.
Escrito de um só jato, em um único capítulo, O Velho e o Mar é o último romance feito em vida por Hemingway. O escritor, que ganhou o Prêmio Nobel de 1954, suicidou-se em 1961. Deixou um legado que pode ainda ser sentido hoje na literatura norte-americana. Uma frse de Santiago volta à memória: "Um homem pode ser destruído, mas não derrotado".

sábado, 11 de julho de 2015

Livro Recomendado da Semana - 12 a 18/07/2015

CEM ANOS DE SOLIDÃO - GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

O LIVRO
O livro conta a história de Macondo, uma cidade mítica, e a dos descendentes de seu fundador, José Arcadio Buendía, durante um século. Usando recursos do realismo mágico, estilo que ajudaria a difundir a partir do seu lançamento, em 1967, o livro mescla revoluções e fantasmas, incesto, corrupção e loucura, tudo tratado com naturalidade. A história começa quando as coisas não tinham nome e vai até a chegada do telefone.
Um comboio carregado de cadáveres. Uma população inteira que perde a memória. Mulheres que se trancam por décadas numa casa escura. Homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas.
São esses alguns dos elementos que compõem o exuberante universo deste romance, no qual se narra a mítica história da cidade de Macondo e de seus inesquecíveis habitantes.
Lançado em 1967, Cem Anos de Solidão é tido, por consenso, como uma das obras-primas da literatura latino-americana moderna. O livro logo tornou o colombiano Gabriel García Márquez (1928-2014) uma celebridade mundial; quinze anos depois, em 1982, ele receberia o Prêmio Nobel de Literatura.
No romance o leitor acompanhará as vicissitudes da numerosa descendência da família Buendía ao longo de várias gerações. Todos em luta contra uma realidade truculenta, excessiva, sempre à beira da destruição total.
Todos com as paixões à flor da pele. E o "realismo mágico" de García Márquez não dilui a matéria de que trata - no caso, a história brutal e às vezes inacreditável dos países latino-americanos. Pelo contrário: só a torna mais viva.

COMENTÁRIO SOBRE A OBRA

Por Sylvia Colombo - Diretora-Adjunta da Folha Ilustrada

"O Coronel Aureliano Buendía promoveu 32 revoluções armadas e perdeu todas". Na descrição que Gabriel García Márquez faz do protagonista deste Cem Anos de Solidão estão ao mesmo tempo o humor funesto com que trata da impotência do homem e o tom de extrema naturalidade que usa para narrar fatos inverossímeis.
Publicado em 1967, o romance conta a história dos Buendía, família condenada por uma força inexplicável a viver um século de solidão. Sucessivas gerações de homens e mulheres marcados por sinais trágicos fazem mover uma engrenagem de repetições de comportamentos obsessivos e desilusões. Tudo se passa na fictícia Macondo, cuja história é pontuada por eventos fantásticos, visitas de ciganos e a ação corrosiva e quase imperceptível de insetos.
É possível interpretar o romance como uma metáfora do isolamento e da desesperança da América Latina. O pano de fundo é um dos sangrentos enfrentamentos entre conservadores e liberais, que cindiram a Colômbia a partir de meados do século 19.
Tamanha é a quantidade de novos personagens que fluem a partir da história central, que alguns preferem ler o livro desenhando uma árvore genealógica dos Buendía. Não se deve desprezar, porém, a sedutora alternativa de deixar-se confundir pelas caóticas ramificações da estirpe, que dão força à sensação de repetição e de catástrofe com que o romance está comprometido.

O AUTOR
Gabriel García Márquez (1928-2014)
Gabriel José García Márquez, nasceu em 1928, em Aracataca (Colômbia), e foi criado na casa de seus avós maternos. Completou os primeiros estudos em Barranquilla e Bogotá. Chegou a iniciar o curso de Direito, mas logo enveredou para o Jornalismo.
Em 1955, viajou para a Europa como correspondente de El Espectador. No final dos anos 50, de volta às Américas, trabalha em Caracas (Venezuela) e em Nova York, onde dirigiu a agência de notícias Prensa Latina.
Em 1960, García Márquez muda-se para a Cidade do México e começa a escrever roteiros para cinema. Publica então seu primeiro livro de ficção, Ninguém Escreve ao Coronel, e aquele que seria seu romance mais conhecido, Cem Anos de Solidão (1967).
Até 1975, García Máquez viveria na Espanha. Em 1981, volta para a Colômbia; acusado pelo governo de colaborar com a guerrilha, exila-se no México. Em 1982, recebe o Prêmio Nobel de Literatura. O escritor retorna ao jornalismo em 1999, quando passa a dirigir a revista Cambio. Em 2001, publica Viver para Contar, primeiro volume de sua autobiografia. Gabriel García Márquez é o autor de Crônica de uma Morte Anunciada (1981), O Amor nos Tempos do Cólera (1985), O General em Seu Labirinto (1989), Notícias de um Sequestro  (1996), e Memória de Minhas Putas Tristes (2004), entre outros livros de ficção, memória e reportagem.
Em abril de 2009, Gabriel García Márquez declarou que havia se aposentado e que não pretendia escrever mais livros. Essa notícias viu-se confirmada em 2012, quando o seu irmão, Jaime García Márquez, anunciou que foi diagnosticada uma demência em Gabriel García Márquez e que, embora estivesse em bom estado físico, havia perdido a memória e não voltaria a escrever.
Garcia Márquez morreu em 17 de abril de 2014 na Cidade do México, vítima de uma pneumonia, pouco mais de um mês após completar 87 anos.

domingo, 5 de julho de 2015

Livro Recomentado da Semana - 05 a 11/07/2015

PASSEIO AO FAROL - VIRGINIA WOOLF

O LIVRO

A história começa com a família Ramsay e amigos de férias numa ilha nas costas da Escócia durante a Primeira guerra Mundial. Anos depois, os sobreviventes se encontram no mesmo lugar, e as evocações do que foram são inevitáveis. Virginia dizia que o casal do romance, publicado em 1927, fora baseado em seus pais: a mulher mandona e radiante e o marido egoísta.
Virginia Woolf foi uma das principais inovadoras da prosa inglesa no século 20. A partir do romance O Quarto de Job (1922), a autora começou a desenvolver um estilo próprio, baseado no fluxo de consciência e no tempo psicológico. Nesse sentido, Passeio ao Farol (também traduzido no Brasil como Ao Farol  e Rumo ao Farol), de 1927, é uma de suas obras mais bem realizadas.
A partir de uma temporada de verão nas ilhas Hébridas (Escócia), a família Ramsay e seus convidados rememoram situações do passado, em que se misturam questões íntimas e banais, como o passeio de barco a um farol próximo, com os fatos traumáticos da Primeira Guerra Mundial.
"Um dos poucos livros desta espécie que está cheio de bom e legítimo amo, mas também, a seu modo feminino, de ironia, de tristeza informe e de dúvida real", disse o crítico Erich Auerbach.
Amiga de E. M. Forster, Lytton Strachey e John Maynard Keynes - que integravam o célebre "grupo de Bloomsbury" -, Virginia Woolf reconstituiu ficcionalmente, neste livro, muitas das experiências e sensações partilhadas com sua geração de intelectuais e artistas.

COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO

Por LUÍS AUGUSTO FISCHER colunista da Folha de São Paulo

 A literatura produziu clássicos absolutos falando de viagens. O retorno de Ulisses a sua casa, na Odisseia; o périplo de Dante na Divina Comédia; as andanças do cavaleiro Dom Quixote. E um simples passeio de barco, a uma ilha vizinha, pode render um clássico? Na mão de Virginia Woolf, sim.
O enredo põe em ação um grupo familiar, os Ramsay, e alguns amigos, numa casa de praia da Grã-Bretanha, em dois momentos distintos.
O primeiro ocorre quando a Sra. Ramsay, mãe de oito filhos, está no esplendor de sua beleza, discreta e luminosa; ela e seu marido, um intelectual de méritos, recebem na casa um aluno dele, um velho poeta, um botânico, uma pintora.
Vivem-se os momentos anteriores à Primeira Guerra Mundial (1914); todos ali são refinados, delicados, de intensa vida intelectual. E a Sra. Ramsay percebe que aquele é um momento único de felicidade.
Mas as coisas mudam, porque o tempo passa. Numa breve segunda parte, o romance relata nada mais que a ausência: a harmoniosa família que ocupava a casa de veraneio não tem vindo, nos anos da Guerra. Chega-se à última parte, quando os remanescentes da família e dos amigos voltam à casa, já um tanto deteriorada.
Desta vez, passada a Guerra, vai-se realizar o passeio de barco até a ilha do farol, passeio prometido desde anos antes, quando todos ainda estavam presentes e o futuro parecia uma certeza.
Rumo ao Farol é um romance de narração delicada e tempo espesso. Tudo acontece mais na interioridade dos personagens do que em suas ações, e tudo chama para os detalhes da sensibilidade individual.
Mas nessas pequenas percepções se lê muito mais que a crônica do amadurecimento, da desilusão com a vida, do fim da infância, porque tudo se integra e se dissolve no andamento maior da História, que costuma ser grandiosa na decadência dos impérios.

A AUTORA

Virginia Woolf - 1882-1941
Virginia Woolf nasceu em Londres, em 1882. Filha de um editor, Sir Leslie Stephen, ela recebeu uma educação esmerada, frequentando desde cedo o mundo literário.
Em 1912, casa-se com Leonard Woolf, com quem funda, em 1917, a Hogarth Press, editora que revelou escritores como Katherine Mansfield e T. S. Eliot.
Fez parte do grupo Bloomsbury, círculo de intelectuais sofisticados que, passada a Primeira Guerra Mundial, investiria contra as tradições literárias, políticas e sociais da era vitoriana.
As primeiras obras de Virginia Woolf foram A Viagem (1915), e Noite e Dia (1919). Em Mrs. Dalloway (1925), Virginia Woolf emprega recursos narrativos inovadores para retratar a experiência individual. O mesmo ocorre com Passeio ao Farol (1927).
Em 1928, publica Orlando, fantasia histórica que evoca com brilho e humor a Inglaterra da era elizabetana. Nesse período, Woolf faz as famosas conferências para estudantes dos grandes colégios femininos de Cambridge, nas quais mostra sua verve feminista.
Em 1931, publica As Ondas, uma de suas obras mais importantes. Seis anos mais tarde, laça Os Anos. Toda a vida de Virginia Woolf foi dedicada à literatura. Em 1941, vítima de grave depressão, ela se suicida, deixando considerável número de ensaios, extensa correspondência e o romante Entre os Atos (1941).