sábado, 29 de agosto de 2015

Livro Recomendado da Semana - 30/08 a 05/09/2015

PANTALEÃO E AS VISITADORAS - MARIO VARGAS LLOSA

O LIVRO

Pantaleão Pantoja tem um senso de disciplina tão profundo que é encarregado pelo Exército peruano de organizar um bordel itinerante. Sua missão é reduzir as taxas e estupro nas zonas militarizadas, oferecendo prostitutas aos soldados. Em cartas enviadas a seus superiores, ele relata o seu sucesso e os testes que faz pessoalmente com a visitadoras. Tudo vai bem até ele se apaixonar pela mais bela das prostitutas.
O jovem capitão Pantaleão Pantoja foi treinado para ser um dos mais eficientes oficiais do Exército peruano. Disciplinado, respeitador das hierarquias, estava preparado para enfrentar qualquer tipo de missão militar.
mas a tarefa que lhe foi designada superava todas as expectativas de um sério oficial de carreira: organizar um bordel na selva amazônica e amenizar a forma sexual da soldadesca que, no isolamento da mata, passara a violentar as mulheres locais, pondo em risco a reputação das Forças Armadas nacionais.
Embora tivesse sempre aspirado a ser um herói de guerra, e não um cafetão das florestas, Pantoja aplica meticulosamente seus conhecimentos de estratégia e de logística na implantação do "serviço de visitadoras" - codinome para o lupanar equatorial. O problema é que nem a disciplina mais férrea foi capaz de evitar um envolvimento amoroso do capitão, perfeito pai de família, com a menina mais bela do "regimento".
Neste romance, Mario Vargas Llosa exibe mais uma vez a sua fantástica capacidade de contar histórias que têm ao mesmo tempo um pé bem plantado na realidade, e outro, no delírio.
No caso, o leitor pode se recordar das investidas bélicas de um Peru em guerra contra o Equador, aqui solapadas por uma comédia erótica que desmonta qualquer pretensão de heroísmo.

O AUTOR

Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa (Peru), em 1936, e passou a infância na Bolívia. De volta ao Peru, estuda Direito e Letras.
Em 1959 vai para Madri, onde faz doutorado em Filosofia e Letras. Muda-se para Paris, como redator da France Presse. Seu primeiro livro, Os Chefes, é de 1959. Obtém sucesso internacional com o romance Batismo de Fogo (1962), traduzido para várias línguas.
Em 1964, regressa ao Peru e realiza sua segunda viagem à selva amazônica. Trabalha como tradutor para a Unesco, na Grécia. Pantaleão e as Visitadoras sai em 1973. Pelos próximos anos, reside em Paris, Londres e Barcelona.
Em 1981, publica A Guerra do Fim do Mundo, no qual narra a história da Guerra de Canudos. Volta ao Peru em 1983; sete anos depois concorre às eleições presidenciais (chegando ao segundo turno). Em seguida, muda-se para Londres, onde vive até hoje. Entre seus muitos títulos de ficção, jornalismo e ensaio, cabe mencionar os mais recentes: A Linguagem da Paixão (2002), Paraíso na Outra Esquina (2003), Travessuras da Menina Má (2006), O Sonho do Celta (2010) e O Herói Discreto (2013).
Em 7 de Outubro de 2010 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura pela Academia Sueca de Ciências "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual". O então presidente do Peru, Alan García, considerou o prêmio a Llosa como "um reconhecimento a um peruano universal".

COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO

Por Cassiano Elek Machado da Folha de São Paulo

Pantaleão e as Visitadoras é um livro safado. E não apenas pelas safadezas de seu ardido enredo. Militar exemplar, estilo Ordem e Progresso, o capitão Pantelão Pantoja, recebe uma missão de importância capital para sua pátria: montar um serviço de "visitadoras" para os soldados que, isolados em guarnições perdidas na transpirante Amazônia peruana, vinham se transformando em estupradores em série.
Na organização desse delivey de moças de fino trato, Pantita topa com ossos duros de roer: a igreja tacanha, a imprensa sensacionalista, uma burocracia de fazer corar Kafka e, desafio maior, uma morena apelidada de Brasileira.
Romance com o qual Vargas Llosa, em suas próprias palavras, "descobriu o humor", Pantaleón finta todas essa coleção de arcaísmos latino-americanos com a leveza de um passarinho. Com um texto ágil, mas que incorpora recursos narrativos sofisticados, o escritor peruano consegue neste livro publicado há quarenta e dois anos algo semelhante aos dribles de Mané Garrincha.
É divertido, mas contundente; parece simples, mas tem grande engenho; deixa qualquer leitor estatelado no chão. Romance de pernas tortas, Pantaleão e as Visitadoras é definitivamente um livro safado.

sábado, 22 de agosto de 2015

Livro Recomendado da Semana - 23 a 29/08/2015

A REVOLUÇÃO DOS BICHOS - GEORGE ORWELL

O LIVRO
O sonho de um velho porco e criar uma granja governada por animais, sem a exploração dos homens concretiza-se com uma revolução. Como acontecem com as revoluções, a dos bichos também está fadada à tirania, com a ascensão de uma nova casta ao poder. Nesta fábula feita sob medida para a Revolução Russa, todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.
Num belo dia, os animais da fazenda do sr. Jones se dão conta da vida indigna a que são submetidos: eles se matam de trabalhar para os homens, lhes dão todas as suas energias em troca de uma ração miserável, para ao final serem abatidos sem piedade. Liderados por um grupo de porcos, os bichos então expulsam o fazendeiro de sua propriedade e pretendem fazer dela um Estado em que todos serão iguais.
Logo começam as disputas internas, as perseguições e as exploração do bicho pelo bicho, que farão da fazenda um arremedo grotesco da sociedade humana.
Publicada em 1945, A Revolução dos Bichos foi imediatamente interpretada como uma fábula satírica sobre os descaminhos da Revolução Russa, chegando a ter sido utilizada pela propaganda  anticomunista. A novela de George Orwell de fato fazia uma dura crítica ao totalitarismo soviético; mas seu sentido transcende amplamente o contexto do regime stalinista.
Mais do que nunca esta pequena obra-prima da ficção inglesa parece falar aos nossos dias, quando a concentração de poder e de riquezas, a manipulação da informação e as desigualdades sociais parecem atingir um ápice histórico.

O AUTOR
George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, nasceu em 1903, em Bengala (Índia), filho de um funcionário britânico e uma francesa. Muda-se para a Inglaterra em 1911, e vai para um internato. De 1917 a a921, estuda no Eton College, uma das mais tradicionais escolas inglesas, onde tem aulas com o escritor Aldous Huxley. Em 1922, recusa uma bolsa para a universidade e volta à Índia para trabalhar na polícia imperial.
Retorna à Inglaterra em 1928. Vivendo na pobreza - chega mesmo à mendicância -, vaga por Londres e Paris até meados de 1930. Em 1933, publica seu primeiro livro, Na Pior em Paris e Londres.
Socialista, vai para a Espanha, em 1936, lugar na Brigada Internacional em apoio ao recém-eleito governo popular. Lutando na Espanha (1938) narra suas experiências na Guerra Civil Espanhola.
Durante a Segunda Guerra Mundial Orwell trabalha como correspondente de guerra para a BBC. Em 1945, publica A Revolução dos Bichos, até hoje sua obra mais popular. Outro livro conhecido em todas as línguas é o seu romance 1984 (1949), uma sátira pessimista sobre a ameaça de tirania política no futuro.
George Orwell morreu em 1950, na Inglaterra, em consequência de uma tuberculose. Entre outras obras, escreveu também Dias na Birmânia (1934), O Caminho de Wigan (1937) e Por que Escrevo (1946).

COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO

Por Fernando de Barros e Silva - Editor da Folha de São Paulo

George Orwell publicou A Revolução dos Bichos, numa época em que, por conivência ou desconhecimento parcial de suas atrocidades, o comunismo soviético ainda gozava de enorme prestígio nos meios progressistas. Impulsionado pela atmosfera de "Guerra Fria" - expressão, aliás, atribuída a Orwell -, o livro fez sucesso instantâneo. Ninguém, depois dele, teria o direito de ainda ser inocente.
Poucas obras seriam tão instrumentalizadas à revelia de seu autor. Crítico precoce do stalinismo, Orwell sempre se definia como um socialista de convicções profundamente democráticas.
Os Estados Unidos transformaram o seu livro numa peça de propaganda do anticomunismo e a CIA chegou a providenciar uma versão em desenho animado, distribuída no mundo inteiro, com a cena final adulterada. Morto em 1950, aos 46 anos, Orwell provavelmente teria morrido uma segunda vez, de desgosto, ao ver sua obra desvirtuada pelas engrenagens do macarthismo.
O comunismo, pelo menos na forma que o conhecemos, pertence hoje ao cemitério da história. A Revolução dos Bichos, porém, sobreviveu à experiência que o tornou possível.
A fábula dos animais que se rebelam contra o tirano que os explorava e, em nome de ideais igualitários, constroem uma sociedade ainda mais opressiva, preserva seu interesse e para em pé mesmo sem referência imediata à história.
A linguagem quase simplória e as alegorias transparentes fazem do livro uma delícia para crianças. Mas não só. Sua máxima moral, de que "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros", talvez traduza, para o bem e para o mal, uma das poucas verdades ancestrais acerca da dominação, da Idade do Bronze aos dias que correm.

sábado, 15 de agosto de 2015

Livro Recomendado da Semana - 16 a 22/08/2015

ANGÚSTIA - GRACILIANO RAMOS

O LIVRO

Romance em que Luís da Silva, funcionário público e escritor frustrado, confessa de forma desesperada um homicídio. A vítima, Julião Tavares, havia conquistado a mulher que Luís amava. A construção caótica do texto reflete o estado mental de um sujeito feio que se apaixonara por uma jovem de cabelos de milho, unhas pintadas, beiços vermelhos e o pernão aparecendo. Aqui, o humilhado se vinga com palavras.

Luís da Silva tem 35 anos, é funcionário, escreve eventualmente para os jornais e leve uma existência que se poderia considerar, em todos os aspectos, ordinária. No entanto, o seu mundo interior, cheio de "estranhos hiatos", está longe de ser banal. Narrador de sua própria história, Luís da Silva vive ruminando frustrações intelectuais, memórias da infância, o desejo incontrolável pela vizinha Marina e o ódio pelo bem-sucedido Julião Tavares, que lhe rouba a pretendente.
Escrito num andamento de pesadelo, mas com a concretude do pequeno detalhe cotidiano que é a marca do estilo de Graciliano Ramos (1892-1953), Angústia faz uma lenta imersão na consciência desse personagem complexo e atormentado, que afunda no inferno do ciúme e do ressentimento até o ponto de cometer um ato extremo.
Como bem observou o crítico Otto Maria Carpeaux, "todos os romances de Graciliano Ramos são tentativas de destruição" - e este não foge à regra. "Não sou um rato, não quero ser um rato", repete para si o protagonista.
Lançado em 1836, quando o autor estava preso pelo governo de Getúlio Vargas, o livro ganhou o prêmio "Lima Barreto" da Revista Acadêmica e contribuiu para fazer de Mestre Graça (como era conhecido pelos amigos) um dos maiores escritores da Literatura Brasileira.

O AUTOR

Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo (AL), em 1892. Um dos 15 filhos de uma família de classe média do sertão nordestino, passou parte da infância em Buíque (PE) e outra em Viçosa (AL). Fez estudos secundários em Maceió, mas não cursou faculdade. Em 1910, sua família se estabelece em Palmeira dos Índios (AL).
Em 1914, após breve estada no Rio de Janeiro, trabalhando como revisor, retorna à cidade natal, depois da morte de três irmãos, vitimados pela peste bubônica. Passa a fazer jornalismo e política em Palmeira dos Índios, chegando a ser prefeito da cidade (1928-1930).
Em 1925, escreve seu primeiro romance, Caetés. Muda-se para Maceió em 1930, e dirige a Imprensa e Instrução do Estado. Logo viriam São Bernardo (1934) e Angútia (1936, ano em que foi preso pelo regime Vargas, sob a acusação de subversão).
Memórias do Cárcere (1953) é um contundente relato da experiência na prisão. Após ser solto, em 1937, Graciliano Ramos transfere-se para o Rio de Janeiro, onde continua a publicar não só romances, mas contos e livros infantis. Vidas Secas é de 1938.
Em 1945, ingressa no Partido Comunista Brasileiro. Sua viagem para a Rússia e outros países do bloco socialista é relatada em Viagem, publicado em 1953, ano de sua morte.

COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO

Por YUDITH ROSENBAUM
Colaboradora da Folha é professora de literatura brasileira na USP

Quando Angústia foi publicado, em 1936, a maior parte da crítica não foi capaz de perceber o inusitado da obra. O texto provocava estranhamento no leitor e não se amoldava à objetividade da literatura regionalista da época. O próprio Graciliano Ramos julgava seu romance "desagradável", um "solilóquio doido", "enervante" e "mal escrito".
A linguagem é breve, sintética e concisa, marca inconfundível do autor. O amor possessivo do funcionário público decadente Luís da Silva pela vizinha Marina, ao lado da rivalidade doentia com Julião Tavares (em tudo mais potente e superior que seu agressor), montam uma trama que entrelaça o psicológico e o social. O leitor acompanha, em compasso de crescente tensão, a experiência delirante de um criminoso e o processo minucioso da gênese desse crime. Na prisão, movido pela necessidade de confessar, o narrador se empenha na escritura de um livro e através dele procede a uma autoanálise. 
Passados 79 anos da recepção inicial, Angústia se afirma como um marco da Literatura Brasileira e na trajetória do autor. Seria mesmo difícil, nos anos 30, legitimar essa escrita compulsiva, dominada pelo fluxo interno de pensamentos, lembranças e afetos do narrador-protagonista Luís da Silva. O resultado é uma narrativa imersa em clima de sonho, ou melhor, de pesadelo, banhada por alucinações, vivências sexuais reprimidas e desejos sádicos obsessivos.
O mundo relatado em Angústia é estreito e sufocante, mas o alcance literário da obra se expande, ainda hoje, para além dos limites da crítica.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Homenagem a Éfrem Galvão (1935-2015)

O AUTOR
Foto: Arquivo TV Tapajós

Nome completo: Éfrem de Jesus Neves Galvão; 
Pai: Antônio de Castro Galvão (conhecido como Pepeu); 
Mãe: Maria Neves Galvão; 
Data de Nascimento: 27 de Fevereiro de 1935. 
Local de Nascimento: Santarém-Pará, precisamente na Rua dos Artistas. 
Era casado com Ana Maria Bezerra Galvão, com quem teve 10 filhos, hoje apenas 8 Jordan, Sandra, Júlia, Sérgio, Juarez, Josué, Jáder e Ana Paula. Além desses, teve ainda dois filhos Antonio e Manuel Raimundo. 
Estudou na Escola Frei Ambrósio durante 5 anos, passando para o Ginásio Dom Amando (4 anos). Fez somente provas do Supletivo 2º Grau. Cursou Bacharelado em Ciências Sociais na UFPa. 
Criou o primeiro secador de madeiras por radiação solar da América Latina (em Santarém). Autor das seguintes publicações técnicas: "Secagem de Madeira por Radiação Solar" e "Classificação de Madeiras Serradas de Folhosas". 
Coordenou uma coletânea de Contos chamada "Mosaico Amazônico" em 2001. Era Membro da ALAS - Academia de Letras e Artes de Santarém.

OBRAS PUBLICADAS
O Jacaré e os Milagres (1979); 
A Cobra Grande e os Pescados (1982); 
A Canguçu e o Eldorado (1985); 

Romanceiro Mocorongo ou a Quase História de Santarém (1998); 

 Amazônia: Lenda e Romance (2001) - publicação que reuniu as três primeiras obras; 

A Descendência de Maria Chibé (2002); 

Vagas Lembranças de Quase Nada (2003); 

Foi Assim (2005); 

Velho Caduco e Onça Corrupta (2007)
AUTÓGRAFOS DE ÉFREM GALVÃO




PARTICULARIDADES DE ÉFREM GALVÃO
Sempre teve muita habilidade com cálculos. tinha uma leitura muito rápida. Gostava de ler, escrever, pescar, tecer malhadeiras e tarrafas; gostava de ir ao Bar Mascote com a "Donana" nas sextas, jogar baralho com o computador, assistir a documentários, filmes e noticiários, comer "docinhos" - os famosos "engasga-gato", gostava muito da combinação peixe, limão, pimenta e farinha, gostava de bolo simples e pudim de leite e achava a Camila Pitanga um "piteuzinho".

RECONHECIMENTO
Diploma de Licenciatura em Conversão Primária de Madeira fornecido pelo Ministério da Agricultura - pelos diversos cursos que fez e administrou e também por ter participado da comissão que definiu normas para a classificação de madeiras
Ganhou a Medalha João Felipe Bettendorf, que é a homanagem prestada pelo município de Santarém a quem se destaca por serviços prestados à sociedade. 
Recebeu ainda o Diploma de Honra ao Mérito do Círculo Literário do Oeste do Pará, quando de sua fundação em 2005. Era membro da Academia de Letras e Artes de Santarém. Finalmente, Éfrem Galvão foi um homem de cultura completo.

E aqui externo minha singela homenagem a um homem que sempre foi reconhecido por mim, no Colégio Dom Amando ou Júlia Passarinho onde trabalho. Era uma honra falar pessoalmente com seu Éfrem Galvão, às vezes, em frente à sua casa quando, todas as tardinhas, ficava sentado em sua cadeira de balanço, junto com sua esposa e filhos, e nunca se cansava de dar uma palavra amiga de incentivo para quem ia visitá-lo. Descanse em paz, grande amigo!!!

  

sábado, 8 de agosto de 2015

Livro Recomendado da Semana - 09 a 15/08/2015

A CONSCIÊNCIA DE ZENO - ITALO SVEVO

O LIVRO
O italiano Ettore Schmitz usou o pseudônimo de Svevo para escrever um dos primeiros romances que faz uso da técnica psicanalítica, lançado em 1923. Nele, um rico comerciante de Triste, conta a seu psicanalista a sua vida; a paixão por uma jovem e o casamento com a irmã dela, as tentativas frustradas de parar de fumar, os sucessos e fracassos comerciais, tudo narrado num tempo lento.
Já no fim de sua vida, Zeno Cosini, um bem sucedido empresário de Triste (norte da Itália), decide fazer um balanço de suas experiências no divã de um analista.
Ali, deitado no estreito sofá, ele começa a se dar conta de que toda a sua história, passada e presente, compõe-se de pequenos fracassos: o casamento com uma mulher que ele não escolheu, o trabalho que não lhe agradava, as tentativas falhadas de parar de fumar ou de simplesmente mudar de rumo, ter outro destino. A lenta escavação dos fatos e das impressões pela memória é então submetida à visão implacável, irônica e, às vezes, hilariante de Zeno - que assim, de certa forma, consegue libertar-se da "doença", mas não de suas neuroses.
Imediatamente aclamada por autores do porte do romancista James Joyce e do poeta Eugenio Montale, esta obra-prima de Italo Svevo (1861-1928) põe do avesso as distinções entre sanidade e loucura, sucesso e derrota, ao mesmo tempo em que expõe ao ridículo os valores da moral burguesa. Valendo-se de recursos próprios da psicanálise, como a livre associação de ideias, o romance faz ainda uma sátira da ciência criada por Sigmund Freud - de quem Svevo, aliás, foi tradutor.
É assim que Zeno chega à conclusão de que sua vida, afinal, "foi mais bela do que a dos assim chamados sãos". Italo Svevo morreu cinco anos depois de alcançar a consagração literária com este romance.

O AUTOR
Italo Svevo, pseudônimo de Ettore Schmitz, nasceu em 1861, em Triste (cidade italiana que, à época, pertencia ao Império Austro-Húngaro). Em 1880, devido a dificuldades financeiras, abandona os estudos para trabalhar em um banco. Seus dois primeiros romances - Uma Vida (1892) e Senilidade (1898) - passam despercebidos do público e da crítica.
Em 1907 começa a ter aulas de inglês com o escritor James Joyce, de quem fica amigo. Em 1915, a guerra força Svevo à ociosidade e ele volta à literatura. A descoberta de Freud tem profundo efeito sobre ele - e sobre sua ficção.
Grande admirador de seus dois primeiros romances, James Joyce encoraja Svevo a escrever. Em 1923, ele publica A Consciência de Zeno, outro livro que sai sem maior repercussão - até Joyce passar o romance a dois críticos franceses (Valéry Larbaud e Benjamin Cremieux), que promovem sua publicação na França e tornam Svevo famoso.
Ele trabalhava na continuação de seu maior romance quando, em 1928, sofreu um fatal acidente de carro em Motta di Livenza (Itália).
Além dos livros já citados, Svevo é o autor de Uma Farsa Bem-sucedida (1928) e de um volume de contos, publicado postumamente, A Novela do Bom Velho e da Bela Mocinha (1930).

COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO
Por Bernardo Ajzenberg (Ombudsman da Folha de São Paulo)

Em seu relato autobiográfico, criado originalmente como instrumento de apoio a um tratamento psicanalítico, o burguês e bon vivant quase sessentão Zeno Cosini, de Triste, exibe todas as suas fragilidades, falcatruas e desvios, dos menores aos maiores, em ações, omissões e sentimentos.
Vício do fumo, infidelidade conjugal permanente, ciúme doentio, inveja, hipocrisia, fingimento, cinismo, imposturas, medo da velhice, fúria, indiferença para com a família... A lista de "pecados" de Zeno é extensa - como são ilimitados os sonhos e as fantasias que a alimentam.
Mas também é grande o sofrimento que emana dessa espécie de diário, ante as agruras de uma vida dupla, do ócio improdutivo, da orfandade relativamente precoce, da doença e da dor, da morte, do amor não correspondido. De um desejo de felicidade cuja satisfação se mostra, ao final, inatingível.
Lançado na Itália pouco depois da Primeira Guerra Mundial, em 1923, A Consciência de Zeno forma, na literatura universal, um dos mais valorosos painéis, nos quais se mesclam à vida cotidiana questões de amplo alcance cultural, científico e filosófico. Com destaque, aqui, para a "nova" psicanálise.
O romance de Italo Svevo, não por acaso, é um daqueles nos quais o protagonista mais se desnuda. Ele expõe, a um tempo, com ironia e detalhes surpreendentes de tão ínfimos, não apenas o desencontro público e privado de um indivíduo sem eixo, mas também a decadência da classe e do período histórico que ele, sem saber, representa.