sábado, 25 de julho de 2015

Livro Recomendado da Semana - 02 a 08/08/2015

O MESTRE E MARGARIDA - MIKHAIL BULGÁKOV

O LIVRO


O Mestre e Margarida tem muitas tramas. Na trama central a Moscou de 1929 é visitada pelo diabo, com o nome de Woland. Em seu séquito estão Koroviev ou Fagote (como o instrumento musical), o enorme gato Birguemot ou Behemot, que em russo significa tanto a criatura bíblica (Jó 40: 15-24) quanto hipopótamo, Azazello, Abadon e a bruxa Hella.
Bulgákov começou a escrever o romance em 1928. O primeiro manuscrito foi destruído em março de 1930 pelo autor, que o queimou em um forno, quando soube que outro livro seu, de conteúdo cabalístico havia sido banido. O trabalho foi recomeçado em 1931 e em 1935 Bulgákov foi a um Festival de Primavera que teria inspirado o baile do livro. A segunda versão foi terminada em 1936 e nesse ponto todas as tramas do romance já existiam. O terceiro rascunho foi terminado em 1937. O escritor parou de trabalhar na quarta versão em 1940, quatro semanas antes de sua morte. O trabalho foi completado por sua esposa em 1940-41.
Uma versão censurada (12% do texto fora eliminado e muitas outras partes foram modificadas) foi publicada na revista Moscou (nº 11, 1966 e nº 12, 1967). A versão integral foi distribuída em cópias clandestinas, publicada em Samizdat. A primeira versão integral foi publicada em Frankfurt, em 1973, pela Editora Posev.
A primeira versão integral foi publicada na Rússia pela revista Khudojestvyennaya Lityeratura em 1973. Ela era baseada numa versão de 1940. Em 1989, a especialista Lidiya Yanovskaya compôs uma nova versão oficial, com base em manuscritos do autor.
Algumas das tramas do livro já haviam aparecido em contos de Bulgákov. O Museu Bulgákov, em Moscou foi vandalizado em 22 de dezembro de 2006, por fanáticos religiosos que alegavam ser O Mestre e Margarida um romance satanista.

O AUTOR

Mikhail Bulgákov nasceu em Kiev, no Império Russo. Primogênito de um professor de seminário. Os irmãos Bulgákov alistaram-se no Exército Branco e, ao final da Guerra Civil, acabaram em Paris, à exceção de Mikhail que, tendo se alistado como médico de campanha, serviu durante a Guerra no Cáucaso, onde começou a trabalhar também como jornalista. Apesar de seu status relativamente favorável sob o regime de Stálin, Bulgákov não pôde emigrar ou visitar seus irmãos na Europa. Alguns detalhes de sua biografia não são claros, pois ele sempre foi muito discreto sobre sua vida pessoal.
Em 1913, Bulgákov casa-se com Tatiana Lappa. No início da Primeira Guerra, alista-se como volutário da Cruz Vermelha. Em 1916, forma-se em Medicina pela Universidade de Kiev e serve no Exército Branco. É mobilizado por pouco tempo pelo Exército Nacionalista Ucraniano. Em 1919 decide abandonar a Medicina para tentar carreira na Literatura. Em 1921, muda-se com Tatiana para Moscou onde inicia de fato seu trabalho como escritor. Três anos depois, divorciado de sua primeira mulher, casa-se com Lhubov Beloziorskaia. Publica vários trabalhos durante a década de 1920, mas, por volta de 1927, começa a sofrer acusações de comportamento antissoviético. Em 1929 sua carreira está destruída e seus trabalhos censurados.
Em 1932 casa-se pela terceira vez, com Yelena Chilóvskaia que é a inspiração para opersonagem Margarida em seu romance mais famoso e instala-se com ela perto de Patriárchi Prudy (Lado do Patriarca). Durante a última década de sua vida, Bulgákov continua os trabalho em O Mestre e Margarida, escreve peças, críticas, contos e várias traduções e adaptações para o teatro de romances, sem publicação.
Bulgákov nunca apoiou o regime e o ridicularizou em vários de seus trabalhos. Por essa razão muitos deles ficaram inéditos por décadas. Em 1930 escreve uma carta para Stálin pedindo permissão para emigrar, já que a União Soviética não tem trabalho para ele satirista e recebe uma ligação do próprio Stálin negando seu pedido.
Stálin gostara da peça Os Turbins ("Dni Turbinykh) e empregou-a em um pequeno teatro de Moscou. Mais tarde, a peça foi transferida para o Teatro de Arte de Moscou. Em sua autobiografia e em muitas biografias diz-se que ele escreveu a carta em desespero, sem intenção de enviá-la. A recusa das autoridades de empregá-lo no teatro e permitir sua visita aos familiares vivendo no exterior levaram-no a tomar medidas drásticas. Apesar de seu trabalho, os projetos que realizou para o teatro não alcançaram maior sucesso. Também atuara por algum tempo com o Teatro Bolshoi como roteirista, mas demitiu-se depois de seus roteiros não terem sido produzidos.
Morreu em março de 1940 de uma doença hereditária dos rins e foi enterrado no cemitério Novodevitchi em Moscou.
Sua obra mais famosa, o monumental romance O Mestre e Margarida, levou mais de doze anos, entre 1928 e 1940 para ser concluído. Em 1939, já cego, foi auxiliado na tarefa por sua mulher Yelena, a quem ditava os capítulos finais. O Mestre e Margarida foi publicado pela primeira vez em 1966.
O apartamento do escrito, em Moscou, e no qual se passa parte da trama de O Mestre e Margarida virou local de culto. No final dos anos 2000 foi transformado no Museu Bulgákov.

COMENTÁRIO SOBRE A OBRA

Por Guilherme Freitas - O Globo

No início dos anos 1980, os moradores de um edifício da rua Sadôvaia, em Moscou, começaram a notar estranhas intervenções na decoração. De uma noite para a outra, os corredores ganharam grafites que, pouco a pouco, se espalharam pelas paredes. Entre as inscrições, destacavam-se os muitos desenhos de um enorme gato preto, em poses variadas: bebendo vodca de um tacinha, jogando xadrez, incendiando uma casa. O tal gato é um dos personagens de O Mestre e Margarida, e os grafites são obra de leitores do livro de Mikhail Bulgákov (1891-1940) que faziam peregrinação ao prédio onde o escritor viveu (e também um dos cenários do romance).
As manifestações dos leitores fizeram com que o antigo apartamento de Bulgákov fosse transformado num Museu dedicado ao escritor.

Livro só foi publicado duas décadas após a morte do autor

Dramaturgo de sucesso na Moscou dos anos 1920, Bulgákov começou a trabalhar no romance em 1928, mas, doze anos depois, morreu sem ver a obra publicada. Tanto tempo se deve, por um lado, à complexidade da trama de O Mestre e Margarida, que narra a chegada do diabo e sua comitiva à Moscou stalinista. Lá, os visitantes se envolvem com o mestre, um escritor perseguido pelo governo e pelos intelectuais por ter publicado um romance sobre os últimos dias da vida de Jesus. A caracterização da comitiva satânica e a riqueza das descrições da Jerusalém onde se passa a obra do Mestre indicam a profundidade da pesquisa feita pelo autor.
Mas a demora foi provocada também pelo temor da reação que a obra poderia causar em tempos de repressão. Censurado muitas vezes nos palcos por conta de suas sátiras políticas, o autor sabia do potencial perturbador de um romance sobre figuras religiosas numa sociedade onde o ateísmo era imposto por lei (um impasse satirizado já na primeira cena do livro, na qual o diabo tenta provar a dois literatos ateus que Deus existe). Bulgákov escrevia praticamente em segredo e, ao morrer, apenas sua mulher e um pequeno círculo de amigos sabiam da existência do livro. A obra só foi publicada, enfim, em 1966, encartada em fascículos numa revista literária, e logo encontrou lugar entre os grandes romances do século XX.
Há muitas formas de ler O Mestre e Margarida. Antes de tudo, é uma comédia arrebatadora que condensa todo o talento do Bulgákov dramaturgo: ler o livro é como assistir a uma produção delirante, com cenários detalhistas (o prédio da rua Sadôvaia, a sede as associação de literatos de Moscou, o subsolo onde vive o mestre), música incidental abundante (como os trechos de óperas e as várias versões de "Aleluia" que irrompem nos pontos mais caóticos da trama) e diálogos afiados.
O dramaturgo também se nota na construção cuidadosa dos personagens, muitos dos quais entraram para a galeria da cultura popular russa. O diabo apresenta-se como Woland, historiador e especialista em magia negra, um distinto senhor com um olho verde e outro negro, que jamais levanta a voz mas deixa uma impressão aterrorizante em todos que cruzam com ele ("Numa palavra, estrangeiro"). Woland é escoltado por Behemoth, o gato preto que anda sobre duas patas, adora vodca, e tem inclinações piromaníacas; Kerôviev, o ardiloso negociador do grupo; Azazello, um ruivo atarracado de ombros largos e feiura indescritível; e Hella, "uma jovem totalmente nua, ruiva e com ardentes olhos fosforescentes".
As peripécias do grupo em Moscou são o centro da primeira metade do livro. Em poucas horas, eles presenciam a decapitação de um distinto poeta amigo do regime, ocupam o apartamento dele e e agendam uma série de apresentações no Teatro de Variedades de Moscou (anunciadas como "Sessões de Magia Negra e Sua Revelação Total"). Nessas cenas, brilha a inteligência satírica de Bulgákov: ironicamente, o diabo e sua comitiva surgem como uma forma "moralizadora" em Moscou, expondo as contradições e injustiças do regime stalinista e da sociedade soviética. O ponto alto da primeira parte é a apresentação no Teatro das Variedades, que começa com outra decapitação e termina com uma chuva de dinheiro sobre a plateia e farta distribuição de roupas e joias para as mulheres. Tudo ilusão, como o diabo gosta - a "revelação total" prometida expõe não os segredos da magia negra, mas a hipocrisia e a ganância do público. 
A segunda metade de O Mestre e Margarida se concentra nos personagens-título, mencionados discretamente na primeira parte. O Mestre é um escritor de meia-idade, autor de um romance protagonizado por Pôncio Pilatos, o procurador romano que, nos Evangelhos, nada faz para impedir a crucificação de Jesus. Margarida, sua amante, o encoraja a publicar um trecho da obra, que desperta reações furiosas de intelectuais aliados do regime, por mostrar figuras religiosas como personagens históricos.
Abatido com a perseguição dos críticos, o Mestre queima o manuscrito do romance e acaba num manicômio, desiludido com a Literatura. Enquanto isso, Margarida tenta resgatá-lo, e para isso alia-se a Woland, numa sequencia de cenas que contém algumas das passagens mais memoráveis do livro (como aquele em que Margarida sobrevoa Moscou de vassoura, à noite, completamente nua, e o baile de gala no qual ela serve de acompanhamento para o diabo).

Romance dentro do romance faz reflexão sobre a bondade

O texto do romance do Mestre surge em vários pontos de O Mestre e Margarida, criando um contraponto curioso: enquanto a Moscou do século XX é descrita como um cenário mitológico por onde circulam bruxas e demônios, a Jerusalém dos tempos de Jesus é retratada com extremo rigor histórico (reforçado pela decisão do autor de usar a grafia original dos nomes - Yerushalaim, Yeshua Ha-Notzri). Essa estratégia permite que Bulgákov desloque suas críticas ao regime: além da comparação implícita entre Stálin e César (cujos nomes nunca são mencionados), é em Jerusalém que aparecem as torturas, condenações sumárias e complôs políticos que eram rotina entre os soviéticos. Já na Moscou "mitológica" onde se situa a maior parte da trama, as prisões de inocentes passam por desaparecimentos misteriosos, atos de bruxaria.
É também no romance do Mestre que Bulgákov introduz um dos temas centrais do livro, sugerido nas conversas entre Pilatos e Jesus sobre a natureza da bondade. Essa reflexão é elaborada ao longo de toda a obra, em especial num discurso de Woland no desfecho da trama, quando Bulgákov, num último ato de ironia, faz Jesus e o diabo expressarem, em momentos distintos, uma mesma visão: não há Bem ou Mal absoluto, e a covardia é a pior das fraquezas humanas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário