sábado, 8 de agosto de 2015

Livro Recomendado da Semana - 09 a 15/08/2015

A CONSCIÊNCIA DE ZENO - ITALO SVEVO

O LIVRO
O italiano Ettore Schmitz usou o pseudônimo de Svevo para escrever um dos primeiros romances que faz uso da técnica psicanalítica, lançado em 1923. Nele, um rico comerciante de Triste, conta a seu psicanalista a sua vida; a paixão por uma jovem e o casamento com a irmã dela, as tentativas frustradas de parar de fumar, os sucessos e fracassos comerciais, tudo narrado num tempo lento.
Já no fim de sua vida, Zeno Cosini, um bem sucedido empresário de Triste (norte da Itália), decide fazer um balanço de suas experiências no divã de um analista.
Ali, deitado no estreito sofá, ele começa a se dar conta de que toda a sua história, passada e presente, compõe-se de pequenos fracassos: o casamento com uma mulher que ele não escolheu, o trabalho que não lhe agradava, as tentativas falhadas de parar de fumar ou de simplesmente mudar de rumo, ter outro destino. A lenta escavação dos fatos e das impressões pela memória é então submetida à visão implacável, irônica e, às vezes, hilariante de Zeno - que assim, de certa forma, consegue libertar-se da "doença", mas não de suas neuroses.
Imediatamente aclamada por autores do porte do romancista James Joyce e do poeta Eugenio Montale, esta obra-prima de Italo Svevo (1861-1928) põe do avesso as distinções entre sanidade e loucura, sucesso e derrota, ao mesmo tempo em que expõe ao ridículo os valores da moral burguesa. Valendo-se de recursos próprios da psicanálise, como a livre associação de ideias, o romance faz ainda uma sátira da ciência criada por Sigmund Freud - de quem Svevo, aliás, foi tradutor.
É assim que Zeno chega à conclusão de que sua vida, afinal, "foi mais bela do que a dos assim chamados sãos". Italo Svevo morreu cinco anos depois de alcançar a consagração literária com este romance.

O AUTOR
Italo Svevo, pseudônimo de Ettore Schmitz, nasceu em 1861, em Triste (cidade italiana que, à época, pertencia ao Império Austro-Húngaro). Em 1880, devido a dificuldades financeiras, abandona os estudos para trabalhar em um banco. Seus dois primeiros romances - Uma Vida (1892) e Senilidade (1898) - passam despercebidos do público e da crítica.
Em 1907 começa a ter aulas de inglês com o escritor James Joyce, de quem fica amigo. Em 1915, a guerra força Svevo à ociosidade e ele volta à literatura. A descoberta de Freud tem profundo efeito sobre ele - e sobre sua ficção.
Grande admirador de seus dois primeiros romances, James Joyce encoraja Svevo a escrever. Em 1923, ele publica A Consciência de Zeno, outro livro que sai sem maior repercussão - até Joyce passar o romance a dois críticos franceses (Valéry Larbaud e Benjamin Cremieux), que promovem sua publicação na França e tornam Svevo famoso.
Ele trabalhava na continuação de seu maior romance quando, em 1928, sofreu um fatal acidente de carro em Motta di Livenza (Itália).
Além dos livros já citados, Svevo é o autor de Uma Farsa Bem-sucedida (1928) e de um volume de contos, publicado postumamente, A Novela do Bom Velho e da Bela Mocinha (1930).

COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO
Por Bernardo Ajzenberg (Ombudsman da Folha de São Paulo)

Em seu relato autobiográfico, criado originalmente como instrumento de apoio a um tratamento psicanalítico, o burguês e bon vivant quase sessentão Zeno Cosini, de Triste, exibe todas as suas fragilidades, falcatruas e desvios, dos menores aos maiores, em ações, omissões e sentimentos.
Vício do fumo, infidelidade conjugal permanente, ciúme doentio, inveja, hipocrisia, fingimento, cinismo, imposturas, medo da velhice, fúria, indiferença para com a família... A lista de "pecados" de Zeno é extensa - como são ilimitados os sonhos e as fantasias que a alimentam.
Mas também é grande o sofrimento que emana dessa espécie de diário, ante as agruras de uma vida dupla, do ócio improdutivo, da orfandade relativamente precoce, da doença e da dor, da morte, do amor não correspondido. De um desejo de felicidade cuja satisfação se mostra, ao final, inatingível.
Lançado na Itália pouco depois da Primeira Guerra Mundial, em 1923, A Consciência de Zeno forma, na literatura universal, um dos mais valorosos painéis, nos quais se mesclam à vida cotidiana questões de amplo alcance cultural, científico e filosófico. Com destaque, aqui, para a "nova" psicanálise.
O romance de Italo Svevo, não por acaso, é um daqueles nos quais o protagonista mais se desnuda. Ele expõe, a um tempo, com ironia e detalhes surpreendentes de tão ínfimos, não apenas o desencontro público e privado de um indivíduo sem eixo, mas também a decadência da classe e do período histórico que ele, sem saber, representa.

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