sábado, 27 de abril de 2024

RACHEL DE QUEIROZ - BIOGRAFIA E OBRA

 RACHEL DE QUEIROZ

 

Nascimento

17 de novembro de 1910Fortaleza, Ceará, Brasil

Morte

4 de novembro de 2003 (92 anos) – Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Nacionalidade

Brasileira

Ocupação

Romancista, contista, tradutora, jornalista, cronista

Prêmios

  • Prêmio Machado de Assis (1958)
  • Premio Jabuti 1970, 1992
  • Premio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (1992)
  • Prêmio Juca Pato (1992)
  • Premio Camões (1993)

Magnum opus

O Quinze

 

BIOGRAFIA

Rachel de Queiroz (Fortaleza, 17 de novembro de 1910 — Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2003) foi uma escritora, jornalista, tradutora, cronista prolífica e importante dramaturga brasileira. É considerada uma das maiores escritoras brasileiras do século XX, tendo sido uma figura pioneira no cenário literário nacional, sobretudo, na produção intelectual e criativa feminina. A escritora também é a única mulher a integrar o movimento modernista brasileiro, além de ter sido uma das primeiras cronistas mulheres do país. Autora de destaque na ficção social nordestina, foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras em 1977, também a primeira mulher galardoada com o Prêmio Camões. Ingressou na Academia Cearense de Letras no dia 15 de agosto de 1994, na ocasião do centenário da instituição.

A escritora também ficou conhecida por sua postura aguerrida e por seus posicionamentos políticos contraditórios ao longo dos anos. Na década de 30, integrou o Partido Comunista do Brasil, no qual permaneceu por pouco tempo ao constatar que sua liberdade como escritora estava ameaçada pela ideologia partidária. Em 1935, em meio à repressão do governo de Getúlio Vargas ficou detida por três meses e dois anos depois teve livros queimados em praça pública com a decretação do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, juntamente com exemplares de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, acusados de subversão.

Na década de 60, volta ao cenário político brasileiro, participando da deposição do então presidente João Goulart. Fez parte do diretório da Arena (Aliança Renovadora Nacional), foi delegada do Brasil na ONU em 1966 e integrou o Conselho Federal de Cultura, desde a sua fundação, em 1967, até sua extinção, em 1989. O presidente Jânio Quadros chegou a convidá-la para ser ministra da Educação, ao que respondeu: “Presidente, colaboro no que for preciso, mas sem cargo oficial. Não posso pôr em risco minha independência intelectual, nem nasci para viver em cortes palacianas”.

Suas obras mais conhecidas são O Quinze, marco do movimento regionalista e modernista da década de 30, As Três Marias, obra mais lírica da sua primeira fase literária e Memorial de Maria Moura, seu último romance, um épico sertanejo publicado aos 82 anos de idade.

Ao longo de mais de 70 anos de carreira, Rachel publicou mais de duas mil crônicas, peças de teatro, livros infantis, contos, memórias e um livro de poesia inédita, publicado postumamente.

INFÂNCIA

Rachel era filha de Daniel de Queiroz Lima e Clotilde Franklin de Queiroz, descendente pelo lado materno da família de José de Alencar.

Em 1915, após uma grande seca, a qual inspiraria a escrita de seu primeiro livro, muda-se com seus pais para o Rio de Janeiro e logo depois para Belém do Pará. Retornou para Fortaleza dois anos depois, onde matriculou-se no Colégio da Imaculada Conceição, onde fez o curso normal, diplomando-se em 1925, aos 15 anos de idade.

 "Rita de Queluz"

Em 1927, após ler a noticia a respeito do concurso promovido pelo jornal O Ceará, no qual a jornalista Suzana de Alencar Guimarães era promovida ao posto "Rainha dos Estudantes", Rachel resolve escrever uma carta ao referido jornal sob o pseudônimo "Rita de Queluz", ridicularizando o concurso e sua eventual vencedora, que utilizando de seu estilo pseudo-lírico, assinava suas crônicas como "A Marquesa".

A carta fez um enorme sucesso na cidade, onde despertou uma curiosidade geral sobre quem a teria escrito. Rachel é descoberta pelo carimbo da Estação sobre o selo da carta. O resultado foi o diretor do jornal, Júlio Ibiapina, a convidar para colaborar com a publicação. Curiosamente, em 1930, quando lecionava no colégio Imaculada Conceição, acabou vencendo o mesmo concurso, escrevendo crônicas e poemas de caráter modernista sob o pseudônimo de Rita de Queluz. No mesmo ano lançou em forma de folhetim o primeiro romance, História de um Nome.

 O Quinze

Aos dezenove anos, ficou nacionalmente conhecida ao publicar O Quinze (1930), romance que mostra a luta do povo nordestino contra a seca e a miséria. Demonstrando preocupação com questões sociais e hábil na análise psicológica de seus personagens, destacase no desenvolvimento do romance nordestino. A obra foi escrita quando a autora contraiu uma congestão pulmonar e, com suspeita de tuberculose, foi obrigada a ficar em repouso. Durante esse tempo, escreveu o romance escondida à noite.

Começa a se interessar em política social em 1928-1929 ao ingressar no que restava do Bloco Operário Camponês em Fortaleza, formando o primeiro núcleo do Partido Comunista Brasileiro. Em 1933 começa a dissentir da direção e se aproxima de Lívio Xavier e de seu grupo em São Paulo, lá indo morar até 1934. Milita então com Aristides Lobo, Plínio Mello, Mário Pedrosa, Lívio Xavier, se filiando ao sindicato dos professores de ensino livre, controlado naquele tempo pelos trotskistas.

Para fugir da perseguição por ser esquerdista, muda-se para Maceió, em 1935. À época, durante o Estado Novo, viu seus livros serem queimados junto com os de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos sob a acusação de serem subversivos. Em 1939, já escritora consagrada, muda-se para o Rio de Janeiro. No mesmo ano foi agraciada com o Prêmio Felipe d'Oliveira pelo livro As Três Marias. Escreveu ainda João Miguel (1932), Caminhos de Pedras (1937) e O Galo de Ouro (1950).

Aos poucos, foi mudando de posicionamento político. Chegou a ser convidada para ser ministra da Educação por Jânio Quadros. Em 1964, apoiou a ditadura militar que se instalou no Brasil. Integrou o Conselho Federal de Cultura e o diretório nacional da ARENA, partido político de sustentação do regime.

Lançou Dôra, Doralina em 1975, e depois Memorial de Maria Moura (1992), saga de uma cangaceira nordestina adaptada para a televisão em 1994 numa minissérie apresentada pela Rede Globo. Exibida entre maio e junho de 1994 no Brasil, foi apresentada em Angola, Bolívia, Canadá, Guatemala, Indonésia, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, sendo lançada em DVD em 2004.

Publicou um volume de memórias em 1998. Transforma a sua "Fazenda Não Me Deixes", propriedade localizada em Quixadá, estado do Ceará, em reserva particular do patrimônio natural. Morreu em 4 de novembro de 2003, vítima de problemas cardíacos, no seu apartamento no Rio de Janeiro, dias antes de completar 93 anos. Foi enterrada no cemitério São João Batista, sob a rede onde costumava dormir.

Durante trinta anos escreveu crônicas para a revista semanal O Cruzeiro e com o fim desta para o jornal O Estado de S. Paulo.

Também se encontra colaboração da sua autoria na revista luso-brasileira Atlântico.

Entre as décadas de 1940 e 1960 Rachel de Queiroz viveu na carioca Ilha do Governador, na Rua Carlos Ilidro — mesma rua onde morou o compositor Assis Valente. A Ilha, inclusive, foi cenário do livro “O galo de ouro”, publicado em 1950.

 Academia Brasileira de Letras

Concorreu contra o jurista Pontes de Miranda para a vaga de Cândido Mota Filho da cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras. Venceu o pleito ocorrido em 4 de agosto de 1977 por 23 votos, contra 15 dados ao opositor e um em branco. Foi empossada em 4 de novembro de 1977. Recebida por Adonias Filho, foi a quinta ocupante da cadeira 5, que tem como patrono Bernardo Guimarães. Foi a primeira mulher a ingressar na ABL.

 

 

 

 

 

 

OBRAS

 Romances

  • O Quinze (1930)
  • João Miguel (1932)
  • Caminho de Pedras (1937)
  • As Três Marias (1939)
  • O Galo de Ouro (1950)
  • Dôra Doralina (1975)
  • Memorial de Maria Moura (1992)

 Crônicas

  • A Donzela e a Moura Torta (1948)
  • Cem Crônicas Escolhidas (1958)
  • O Brasileiro Perplexo (1964)
  • O Caçador de Tatu (1967)
  • Um Alpendre, uma Rede, um Açude (Crônicas Escolhidas)
  • As Menininhas e outras Crônicas (1976)
  • O Jogador de Sinuca e mais Historinhas (1980)
  • As Terras Ásperas, O Livro de Contos (1993)
  • O Homem e o Tempo - 74 Crônicas Escolhidas (1995)

 Peças de teatro

  • Lampião (1953)
  • A Beata Maria do Egito (1958)
  • Teatro (1995)

 Infantojuvenil

  • O Menino Mágico (1969)
  • Cafute e Pena-de-Prata (1986)

 Outros

  • Nosso Ceará, relato (1996) (em parceria com a irmã Maria Luiza de Queiroz Salek)
  • Tantos Anos, autobiografia (1998) (com a irmã Maria Luiza de Queiroz Salek)
  • Não me Deixes: Suas Histórias e sua Cozinha, memórias gastronômicas (2000) (com Maria Luiza de Queiroz Salek)

 Reunidas de ficção

  • Três Romances (1948)
  • Quatro Romances (1960)
  • Seleta, seleção de Paulo Rónai; notas e estudos de Renato Cordeiro Gomes (1973)

 No dia 4 de dezembro de 2003, um mês depois de sua morte, foi lançado na Academia Brasileira de Letras o livro Rachel de Queiroz, um perfil biográfico da escritora, fruto de uma longa pesquisa realizada pela jornalista Socorro Acioli, publicado pelas Edições Demócrito Rocha.

Sua biografia foi narrada no livro No Alpendre com Rachel, de autoria de José Luís Lira, lançado na Academia Brasileira de Letras em 10 de julho de 2003, poucos meses antes do falecimento da escritora. 

 NACIONALIDADE

        O menino nissei sentou no banco do jardim. Teria uns onze anos, comia sossegado o seu sanduíche de queijo. Duas menininhas, uma morena e outra ruiva, que pulavam amarelinha, chegaram junto dele e gritaram:
         – Japonês! Japonês! Quer dizer a hora pra nós?
         O menino olhou o pulso onde se ostentava um enorme relógio niquelado, disse que eram nove e meia, e acrescentou:
        
Eu não sou japonês. Sou paulistano. Nasci aqui, no Jardim América.
         A ruivinha, mais velha, coçou um borrachudo na canela fina:
         – Se você não é japonês, teu pai é.
         – Não, meu pai nasceu em Batatais.
         A menor, moreninha, fez o comentário óbvio:
         – Nós te chamou japonês porque tu tem cara de japonês.
         – Meu avô é que era japonês. E a minha avó. E acho que meus tios.
         A pequenina estava maravilhada com aquele milagre biológico.
         – Nunca vi pessoa ser brasileiro e ter cara de japonês. Eu pensava que brasileiro era tudo igual.
         A maior ensinou:
         – Nem todo brasileiro é igual. Negro é brasileiro e é diferente.
         – Negro é africano, observou com certa malícia aquele a quem chamavam de japonês.
         – Como é que você sabe?
         – Aprendi na aula.
         – Na minha rua tem muito judeu. Nós tudo somos judeu, contribuiu a ruivinha para enriquecer a conversação.
         A outra quis saber:
         – E onde é terra de judeu?
         – Meu pai veio da Rússia. E o meu avô. A minha mãe veio da Polônia.
         – Então esse negócio de judeu é besteira. Quem vem da Rússia é russo. E quem vem da Polônia é polaco.
         – O menino falava com grande autoridade.
         E a ruivinha protestou:
         – A minha mãe disse que a gente deve falar “polonês”. “Polaco” é feio.
         – Pode ser. Polonês. Mas judeu?
         – Judeu vem da Judia.
         – Como é que você sabe? Você conhece todos os países do mundo?
         – Todos. Estou no curso de admissão. Já dei na Geografia.
         – Meu pai disse que a terra dos judeus se chama Israel, lembrou-se de repente a ruiva.
         – Então como é que ele é da Rússia?
         Mistério. Os três se entreolharam. Afinal o rapaz sugeriu.
         – Só se é mentira do teu pai.
         – Mentira do teu! Teu pai é que é um japonês mentiroso!
         – Já falei que meu pai é brasileiro.
         A pequena moreninha pacificou:
         – Não xingue. Eu também sou brasileira. Eu nasci em Campos e o meu pai nasceu em Campos também e o meu irmão e a babá, todo o mundo da minha casa nasceu em Campos.
         A ruiva riu:
         – Tudo é campeiro?
         – Não, a gente diz é campista. Campos fica no Estado do Rio de Janeiro.
         – Agora lá se chama Guanabara – sentenciou o menino.
         – Não. Não é Guanabara. Estado do Rio de Janeiro é outra coisa. Meu pai já disse uma porção de vezes.
         – Então tem dois Rio?
         – Não, agora só tem um. Não falei que o Rio de Janeiro virou Guanabara? Também diz Velhacap. Lá em casa todo o mundo sabe.
         – A menina ruiva ficou a olhar um momento os dois outros.
         – Acho que campista parece um pouco com japonês. Só não tem o olho revirado.
         – Minha mãe diz que temos raça de índio tamoio, declarou a campista.
         E o paulistano aduziu:
         – Meu pai viu uma vez um índio e pensou que fosse japonês fantasiado. Falou pra ele em língua de japonês, mas o índio não entendeu bulhufas.
         – Mas você não disse que o seu pai é de Batatais?
         – É. Mas filho de japonês sabe falar língua do Japão.
         – E você sabe? Fala um pouquinho pra gente ver!
         – Não sei. Puxa, já disse tanta vez que sou paulistano!
         A moreninha deu um salto:
         – Pois eu sou é Corinthians!
         – Ninguém está falando de futebol, boba, ralhou asperamente o rapaz.
         Houve um silêncio.
         E a menor indagou, passado um instante:
         – E onde é o lugar que só tem brasileiro?
         Os outros ficaram algum tempo pensando, olhando para uns pombos que bicavam na areia. Afinal a menina maior falou:
         – Gente grande é muito misturado. Acho que deve ser num lugar onde só tem criança.

QUEIROZ, Rachel de. O homem e o tempo: 74 crônicas escolhidas. 2. Ed. São Paulo: Siciliano, 1995. 189p.
 

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